Nos últimos anos, vimos um interesse crescente por parte de vários governos em declarar os serviços de Internet como direito humano. O significado dessa ação muitas vezes passa despercebido por grande parte da população, pois não é possível mensurar o impacto que essa tecnologia tem na vida de cada pessoa. Ao declarar a Internet um direito humano, os governos reconhecem sua importância como plataforma de desenvolvimento, como forma de promover os direitos humanos e uma ferramenta que ajuda a reduzir os níveis de pobreza.

A atual pandemia global aumentou a importância da Internet, pois sua versatilidade permitiu a adaptação de modelos de negócios tradicionais para transformar pelo menos parte de sua cadeia de valor em um processo virtual. A adequação da logística, o aumento das transações financeiras e o crescimento do uso de aplicativos bancários são apenas uma pequena amostra de como pessoas de todas as idades tiveram que abraçar a Internet como forma de manter um certo grau de normalidade em suas vidas.

Paradoxalmente, é essa mesma pandemia que tem destacado a falta de planejamento de muitos governos em questões nevrálgicas como a disseminação e adoção da Internet pelos mais vulneráveis, aqueles que vivem em localidades sem serviço ou por algum motivo enfrentam obstáculos de acessibilidade, variando de custos de serviço ou dispositivo à disponibilidade de pontos de venda próximos. Todos os problemas tradicionalmente resolvidos ou que estão sendo resolvidos por meio do estabelecimento de um plano nacional de desenvolvimento digital.

Se olharmos para a experiência latino-americana, vemos que um dos elementos-chave em qualquer proposta de conectividade nacional é a transparência. Os planos do governo para impulsionar o crescimento da Internet e de outras tecnologias de informação e comunicação (TIC) são tornados públicos. Frequentemente, todas as partes interessadas (leia-se sociedade civil e setor privado) são solicitadas a fornecer seus comentários, reações e sugestões sobre os planos do governo.

A constante é a mesma: para que a Internet realmente se torne um direito humano, deve haver um plano governamental detalhado que traça os passos a seguir para reduzir as diferenças de acesso às TIC nas diferentes localidades do país. Você tem que planejar e agir para obter resultados.

Um exemplo de como um bom planejamento permite a realização de ações para a promoção de um objetivo é observado nos resultados obtidos por diversos países latino-americanos, que, para fazer frente à emergência econômica provocada pela COVID-19, começaram a implementar medidas para amortecer seu impacto. Segundo o estudo “Panorama Social da América Latina 2020”, publicado em março de 2021 pela Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), a pobreza na América Latina teria aumentado para 33,7% da população regional. No entanto, segundo a análise da CEPAL, se os países da região não tivessem instituído medidas de proteção à população, o nível de pobreza poderia ter aumentado para 37,2%.

Assim, enquanto a Argentina, em 2020, aumentou o percentual de sua população urbana abaixo dos níveis de pobreza para 37% e o Brasil o reduziu para 16,3%, sem a aprovação da ajuda governamental, a pobreza em ambos os países teria aumentado para 38,8% e 24%, respectivamente. As medidas de ajuda durante a COVID-19, populares ou não, tiveram um impacto positivo na região, segundo a CEPAL.

O que acontecerá se um país não tomar as medidas necessárias para promover um objetivo do governo, como a redução da pobreza? Infelizmente, o mesmo relatório da CEPAL responde a essa pergunta apresentando Honduras, México e Nicarágua como casos em que as autoridades governamentais decidiram não implementar medidas importantes para reduzir o impacto econômico da pandemia. O resultado é claro: um aumento da pobreza de 52,3% para 58,6% em Honduras, 41,5% para 50,6% no México e de 46,3% para 50,7% na Nicarágua, em 2020.

Traduzindo os percentuais em cifras mais fáceis de entender, o que o relatório da CEPAL nos diz é que as medidas para minimizar o impacto econômico da COVID-19 na população, implementadas no Brasil, evitaram que 14 milhões de pessoas chegassem à pobreza extrema. Os números da Colômbia e da Guatemala nesta questão são de 1,1 milhão e 876.000 pessoas, respectivamente. Enquanto isso, a falta de medidas econômicas para ajudar a população durante a pandemia resultou em um aumento de 10 milhões de pessoas em extrema pobreza e 11,8 milhões de pessoas que entraram em níveis de pobreza no México.

A falta de um plano nacional de desenvolvimento das TICs pode ter consequências semelhantes para a população, pois a inovação tecnológica, além de nos trazer novas gerações em telecomunicações, também aumenta a diversidade de lacunas digitais que podem ser identificadas na população. A falta de uma política de conectividade implica não saber como implementar uma estratégia de transformação digital e revela a incapacidade do governo de se apropriar de novas tecnologias para se tornar mais eficiente.

Vivemos em um mundo onde a adoção de novas tecnologias se torna um diferencial a cada dia, por competir comercialmente com empresas nacionais e internacionais. A falta de uma estratégia proativa e holística para promover a Internet e outras tecnologias em um país acabará impactando negativamente sua economia.

Não basta fazer da Internet um direito humano, é preciso trabalhar para que esta chegue a todos os seres humanos que compõem a população do país.

*José F. Otero tem mais de 3 décadas de experiência no setor das TIC.

*Artigo produzido por colunista com exclusividade ao Canaltech. O texto pode conter opiniões e análises que não necessariamente refletem a visão do Canaltech sobre o assunto.

Fonte: Canaltech

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